
O brasileiro e sua síndrome de "não vi e não gostei" sobre o cinema nacional. Imagem: Sec Mun de Cult SP
O convite de hoje é aproveitar o entusiasmo sobre a campanha bem sucedida de “Ainda Estou Aqui” para celebrar e refletir sobre alguns efeitos do cinema nacional no público brasileiro.
(Esse mesmo convite também é estimulado pelas toneladas de besteira sendo faladas por muita gente ignorante, auto anunciados “influenciadores”.)
Qual a nossa ligação com filmes brasileiros? O grande público só gosta das comédia tipo “Globo Filmes”? Ainda acham que filme nacional é só palavrão, put@ri@ e som ruim? O que sabemos sobre a cinematografia nacional?
O que me parece é que temos o desafio do paradoxo de estarmos em um momento que as mais diversas composições de informação estão cada vez mais disponíveis, em maior volume e distribuídos em diferentes canais midiáticos, porém, sabemos pouco ou quase nada sobre a rica história do nosso cinema.
Circo sem pão: Estaremos destinados a intermináveis ciclos de comédias Globo Filmes? Cartaz: Divulgação
Afirmo categoricamente que temos 5 ou 6 críticos/analistas nacionais de cinema – com boa exposição – que sabem do que falam, e ainda que alguns não sejam especialistas em cinema brasileiro, compreendem bem a matéria.
Bem… Aproveitei uma recente oportunidade (última quarta-feira 18/11) de um auditório composto de jornalistas, alunos e professores de jornalismo e fiz um pequeno experimento.
Perguntei de forma mais abrangente quem teria o hábito de ver filmes. Todos confirmaram sim, levantando a mão.
(Lembram que um dia desses – em texto anterior -, afirmei que é mais fácil encontrar alguém que vê um filme do que quem lê um livro?)
Estreitei, e perguntei quem vê filmes nacionais. Um bom número de mãos continuaram levantadas, mas logo emendei, “filmes nacionais antigos” e já houve uma debandada (quase total) de anéis.
Tradição crítica: Em memória. Rubens Ewald Filho, um dos maiores críticos nacionais de cinema. Imagem: IN
Continuei e provoquei sobre filmes europeus (França, Alemanha e Inglaterra que são grandes centros produtores) e as mãos no horizonte ficaram tímidas.
Terminei com a Ásia e as mãos simplesmente já estavam fazendo outros tarefas que desobedeciam aos meus comandos provocativos.
E é isso. Boa parcela do público brasileiro – inclusive como demonstra esse evento de alunos e professores de comunicação/jornalismo – não conhecem o mínimo ou o suficiente sobre nosso audiovisual.
Desafio: Até onde devemos comemorar as indicações internacionais, a boa recepção e os bons números de bilheterias do fenômeno “Ainda Estou Aqui”?
E publique-se que existem ainda outros bons novos filmes nacionais, completamente fora do radar do público, fator que colabora para uma equação nefasta: uma soma de boas ideias para histórias no cinema, filmes finalizados e péssima distribuição.
(Assisti esses dias o premiado e provocante – e cearense – “Motel Destino”)
No Brasil a ignorância também é seletiva. Filme teve destaque em Cannes 2024, mas ninguém fala. Cartaz: Divulgação
E pense aí: Que lógica é essa de ter bons filmes e ninguém assistir?
Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Coutinho, Jean-Claude Bernardet, Beto Brant, Gabriela Amaral, Paulo Emílio Salles, Rodrigo Aragão e Juliana Rojas.
Se você não conseguiu unir os nomes às obras, lascou. (Só para falar o mínimo)
O cineasta Nelson Pereira dos Santos em ação no filme “Memórias do Cárcere” (1984). Imagem: Escola Wolf Maya
Acrescente a dificuldade de disponibilidade de um conjunto de filmes que possam ser assistidos ou apreciados pelo público geral. O Canal Brasil faz esse trabalho, mas qual o perfil sociocultural de quem pode investir em uma assinatura de streaming?
Adiante, o nítido afastamento do grande público das TVs convencionais (e sua linguagem insistentemente incompetitiva) e suas exibições de filmes sempre negligenciadas por uma má colocação na grade de exibição, só para falar de algumas outras condições desse subdesenvolvimento.
Lembrando que antes da etapa de ter o ambiente com os filmes disponíveis – e sem quaisquer intenções de elitismos estéticos -, julga-se necessário, exatamente, uma educação que possa provir essas doses de exposição.
(Que problema, hã? Precisar de uma plataforma de exibição de obras nacionais, entendendo que nunca fomos necessariamente expostos ou estimulados a essa cinematografia)
A maneira de se relacionar com filmes na tela pequena se modificou. Mas onde ver clássicos nacionais? Imagem: Tecmundo
Só para reafirma que essa familiarização com a sétima arte, nesse aspecto, foi negligenciada, dou um pequeno exemplo:
Nossos afetos estéticos (gerações 70, 80 e 90) se marcaram pela famosa, querida e acessível “Sessão da Tarde” com filmes como Indiana Jones, Os Goonies, Lagoa Azul, Curtindo a Vida Adoidado, O Grande Dragão Branco, As Branquelas, Patricinhas de Beverly Hills, Clube dos Cinco, etc, e no máximo, com exibições mínimas, qualquer clássico filme dos Trapalhões, Xuxa, Eliane ou Sérgio Mallandro (Esses três últimos representantes, nada clássicos).
Percebem? Não posso nem nos considerar desalfabetizados porque sequer fomos alfabetizados.
Isso sem falar do excesso de reprises que sempre caracterizou o horário dessa diversão vespertina.
Mas vamos recolher esse prejuízo e tentar avançar, né? (E sei que a própria indústria nacional tem muita culpa nesse estado de coisas)
Mesmo diante dessa cenário, quero registrar que exibir filmes nacionais 24 horas na sua programação como faz o Canal Brasil é extremamente louvável.
(Mas me deixa reclamar dessa atitude louvável? Bem… Fazer o que se propõe o Canal Brasil (do ponto de vista de exibição) é como jogar pequi diante de famélicos desdentados)
Lagoa Azul: Intermináveis reprises, mas os meninos (eu incluso) adoraaavam. Imagem: Enciclopédia de Cromos
Uso toda essa graça e delicadeza para compartilhar dois livros magníficos que conheci recentemente e podem funcionar como estímulos (belos e poéticos) para conhecermos nosso próprio cinema: “Os Filmes da Minha Vida”.
Essa coleção dividida em 5 volumes e produzida pela Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, convoca nomes diversos e competentes que de formas diferentes são envolvidos com a arte cinematográficas, para que, como diz o título, dissertem sobre seus filmes preferidos. Acreditem, um belo passeio.
Aventura, comédia, suspense, drama, terror, filosóficos, exuberantes, contemplativos, essenciais, imperdíveis, provocantes e mais um monte de qualificações, envolvem as várias dezenas de dicas compartilhadas.
Os Filmes da Minha Vida: Textos suaves e orientadores para uma boa aula sobre cinema. Imagem: Arquivo pessoal
Tem filmes estrangeiros, of course, my friend, mas o olhar sobre o filme nacional é poderoso. E pode ser um bom começo.
Nomes como Ugo Giorgetti, Gilberto Dimenstein, Sérgio Machado, Isay Weinfeld, Beto Brant, Eduardo Coutinho, Isabela Boscov, Jorge Furtado, Selton Mello, Laís Bodanzky, Paulo José, Marcelo Rubens Paiva e tantos outros, desenham o mapa do tesouro.
Além de testemunhos orientadores, cada capítulo possui uma graça pessoal impressa nos textos por quem gosta de cinema e de diferentes formas, suas formações estéticas (alfabetização cinéfila) foram recompensadas com olhares privilegiados e correspondidos, seja pela localidade geográfica (privilégio) que permitiu seus confrontos emotivos (vocação) com o cinema.
Com malícia e bom humor, organizador escreve a tábua sagrada do cinema. Imagem: Arquivo pessoal
São textos leves, bem humorados, personalíssimos que os transformam em perfeitas aulas daqueles melhores professores que você pode ter, mas principalmente, são histórias profundamente instrutoras.
Claro que não quero convencer ninguém de que ter uma relação com o nosso cinema é uma “obrigação inescapável” (minha hipérbole), só colocar em destaque essa ignorância desavergonhada.
Pra frente, Brasil. Vá ao cinema sem matar a família como se fosse a um Baile Perfumado usando Black-Tie. Seja um Pagador de Promessas e não um Cabra Marcado Para Morrer de ignorância ou… “Pede pra sair”. (HD)