fonte: da redação
As obras de Torquato Neto, poeta, compositor, cineasta e jornalista piauiense, são oficialmente reconhecidas como uma manifestação da cultura nacional, de acordo com a Lei 14.742, já publicada no Diário Oficial da União. De iniciativa do deputado federal Flávio Nogueira (PDT-PI), o PL 597/2021 foi relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) na Comissão de Educação e Cultura (CE).
De acordo com o Castro, os poemas de Torquato Neto “demonstram grande liberdade de pensamento e de forma, razão pela qual consideramos justo que se reconheçam como manifestação da cultura nacional as obras de Torquato Neto”.
Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu em Teresina em 1944. Em 1961 mudou-se para Salvador, onde conheceu Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. A partir de 1963, no Rio de Janeiro, formou com esses e outros artistas, como Capinam e Tom Zé, o movimento tropicalista, que fundia referências de gêneros musicais diversos, como a bossa nova, o rock e ritmos regionais.
Entre suas primeiras letras está Louvação, lançada inicialmente por Elis Regina e, posteriormente, pelo seu coautor, Gilberto Gil, em 1967. Nos anos seguintes, compôs letras como Geleia Geral, Mamãe, Coragem e Pra Dizer Adeus, musicadas por Gil, Caetano Veloso e Edu Lobo, respectivamente. Ele é co-autor de 43 canções, incluindo parceiros como Jards Macalé e Luiz Melodia. Todo dia é dia D, com Carlos Pinto, gravada por Gilberto Gil, tem no título uma de suas frases mais emblemáticas. Seu poema mais famoso, e de auto teor autobiográfico, é Cogito:
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Entre 1970 e 1972, Torquato atuou nos filmes Nosferatu no Brasil e A Múmia Volta a Atacar, de Ivan Cardoso, além de Helô e Dirce, de Luiz Otávio Pimentel. Entre 1971 e 1972, redigiu a polêmica coluna Geleia Geral, no jornal carioca Última Hora. Nesse espaço, militou pelo cinema marginal e pelos direitos autorais, dirigiu um filme em sua cidade natal, Terror da Vermelha (1972), e combateu o Cinema Novo e a música comercial. Mas também pregou a ideia de um pop nacional: “Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido”, escreveu.
Torquato Neto morreu em 1972, no Rio de Janeiro. Sua vida foi revista em dois documentários: Torquato Neto Todas as horas do fim, com direção e roteiro de Eduardo Ades e Marcus Fernando, lançado em 2018, ganhador de vários prêmios, e Documento Especial Torquato Neto, O Anjo Torto da Tropicália, de Ivan Cardoso, lançado em 1992.
Há várias coletâneas de seus escritos, entre as quais se destacam Torquato Neto Os Últimos Dias de Paupéria, organizada por sua viúva Ana Maria Silva Duarte e o poeta Waly Salomão (1984), e Torquatália Volume 1 (do Lado de Dentro) e Volume 2 (Geléia Geral), organizada por Paulo Roberto Pires (2005). Pra mim chega, A biografia de Torquato Neto, de 2003, foi escrita por Toninho Vaz.
Um resgate de sua figura emblemática foi empreendido por Caetano Veloso no xote Cajuína, do disco Cinema Transcendental (1979). Inspirada num encontro que o compositor baiano teve com o pai de Torquato em Teresina, a letra fala da “sina do menino infeliz”.
O último escrito deixado pelo poeta piauiense diz, segundo Paulo Andrade, em Torquato Neto: Uma Poética de Estilhaços (2002):
“FICO. Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou uma grande múmia que só pensa em múmias mesmo vivas e lindas feito a minha mulher na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como os cariocas do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois começaram a ver, e, enquanto me contorcia de dores, o cacho de banana caía. De modo Q FICO sossegado por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e grinalda com um palhaço empacotado ao lado. Não acredito em amor de múmias, e é por isso que eu FICO e vou ficando por causa deste amor. Pra mim chega! Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar”. Thiago era seu filho, que à época tinha apenas dois anos de idade.