No início desse ano, estimulado pelo filme de faroeste (ou bangue-bangue, como queira) Vingança & Castigo e sua infrequente linguagem, decidi fazer um pequeno tratado sobre o protagonismo do negro no cinema do gênero. Explico rapidamente.
A construção do mito da “conquista do Oeste” nos EUA através do cinema, além de uma visão bastante idealizada dos cowboys, fortaleceu por outro lado, um estereótipo enviesado dos indígenas e dos negros.
Diante do fato incomum de Vingança & Castigo ter um elenco (protagonistas, coadjuvantes, mocinhos e vilões) essencialmente de pessoas negras, subvertendo a gramática do gênero, desejei investigar um recorte do cinema negro.
Veja também na Netflix: “O cinema negro busca vingança e castiga o faroeste”. Cartaz: Netflix
INTERVALO
(Uma das cenas finais desse filme é arrebatadora, animada pela canção Blackskin Mile)
FIM DE INTERVALO
Nessa investigação, cheguei até o documentário A História do Cinema Negro nos EUA, uma dos mais profundos raio-X de momentos marcantes da cinematografia protagonizada por artistas negros, atrás e na frente das câmeras.
Fazendo uma síntese e utilizando o gênero como inspiração, o melhor jogo de palavras para descrever a obra seria:
“Numa jornada em comboio, somos apresentados a um caravana de títulos de uma fase importante do cinema negro na década de 1970 através do movimento “blacksploitation” num duelo com a indústria cultural norte-americana”. (Massa, hã? Lê aí de novo pra ver!)
Imperdível: Uma verdadeira viagem ao cinema negro norte-americano. Cartaz: Netflix
Apreciadores de cinema, curiosos, jornalistas, historiadores, pesquisadores, críticos e analistas não deveriam deixar de assistir.
Nesse mergulho estético, pude assistir e reassistir muitos filmes (importantes) citados no documentário.
Foram (e são) muitos. Citando alguns, destaco Shaft (1971), The Harder They Come (1972), Super Fly (1972), Ganja & Hess (1973), Cleópatra Jones (1973), The Black Gestapo (1975), Blacula (1972), entre tantos outros.
Foi um outro árduo trabalho de pesquisa para descobrir onde esses filmes são exibidos atualmente. Alguns foram fáceis de encontrar, e outros nem tanto, mas consegui ver a maior parte que me provocou desejo.
Sou um “buscador” incansável, porém entre todos, um deles foi missão impossível: o musical Save The Children.
Blacksploitation: A versão negra da criatura de Bram Stoker. Cartaz: Divulgação
Já era desoladora a breve menção feita a Save The Children no monumental documentário A História do Cinema Negro nos EUA, diante do resultado das imagens exibidas ali, e que são de baixa qualidade. (Se nem os realizadores conseguiram trechos com qualidade original, imagine você)
O filme nunca foi lançado em VHS ou DVD e entrou em um limbo imagético. Só não foi sonoro pois foi lançado em vinil à época.
Uma ou outra cena do musical – com péssima qualidade – pode ser vista no YouTube.
Save The Children é um filme misto de musical e documentário lançado em 1973 e diz respeito ao concerto de caridade de mesmo nome que aconteceu durante o Black Expo Festival, organizado em associação com a Operação PUSH (People United to Save Humanity) do reverendo Jesse Jackson.
LP continua raro: Trilha sonora do documentário Save The Children. Imagem: International Network
Participam grandes artistas como Nancy Wilson, Marvin Gaye, The Temptations, Gladys Knight & The Pips, Sammy Davis Jr., Smokey Robinson, Isaac Hays, The Jackson Five, Roberta Flack, Quincy Jones, entre tantos mais.
Dizem que o musical pode ter sido negligenciado por questões políticas relacionadas a Sammy Davis Jr. por seu envolvimento com a campanha de Richard Nixon e uma excursão sua ao Vietnã, assunto que dividia o país.
Sammy Davis Jr.: Quando a ideologia interfere na arte todo público perde. Imagem: Vanity Fair
Recentemente, Save The Children foi adicionado no catálogo da Netflix com imagens de alta qualidade.
Além do imenso talento artístico das celebridades em suas performances musicais, muitas delas inéditas para o grande público, testemunhamos um importante documento artístico que deixa agora de ser raro e pode ser lembrado.
Tomando emprestado um slogan importante, cantemos alto: I’m Alive and I’m Proud. (HD)