
Marjoe Gortner: Desde criança se anuncia como pastor. Religião e manipulação. Imagem: Blog Bruce Gerencser
Boa aparência, discurso simples e direto com retórica charmosa (sedutora), nível controlado de erudição, natural poder de persuasão com domínio de algumas citações de livros sagrados e alguns dotes artísticos (teatrais de preferência). Pronto.
Adquirido esses predicados, você pode estar apto a ser um profeta ou pregador (picareta ou não, esse critério é intransferível e pessoal na formação desses três Ps: profeta, pregador e picareta).
E admirável ou não, temos assentado essas “qualidades” no pequeno corpo do jovem fenômeno pastor Miguel Oliveira, o “pastor mirim”.
Curas, bênçãos e dinheiro: a tríade da manipulação religiosa. Imagem: 104,3 FM
Você pode não saber, mas esse modelo de trapaça religiosa já ganhou um Oscar e parece continuar influenciando, passados aí, pelo menos uns bons 50 anos desse prêmio.
Quer entender como essa trajetória pode acontecer?
Tudo isso está bem explicado na curiosa história real em Marjoe, lançado em 1972 e vencedor do Oscar de melhor documentário. Sem dúvida, uma obra marcante e bastante provocativa, que compartilha os bastidores do evangelismo nos Estados Unidos.
Acompanhamos Marjoe Gortner, que foi um pregador infantil famoso nos anos 1950 e mais tarde revelou os truques e manipulações que ele e outros religiosos usavam para explorar a fé das pessoas em busca de dinheiro.
IMPRESSIONANTE E INACREDITÁVEL. Só vendo mesmo.
Pastor: Depois do culto, contando (e comemorando) os dólares no quarto de hotel: Imagem: Marjoe (1972)
Em Marjoe, o protagonista já adulto e cínico com relação ao que fazia, permitiu que os cineastas o filmassem em cruzadas evangélicas enquanto também contava nos bastidores como tudo era encenado — desde os truques psicológicos até os pedidos de doações.
O documentário é naturalmente cínico e expõe (sem pudores do próprio protagonista) a comercialização da fé e a hipocrisia de muitos líderes religiosos. Tudo é mostrado através das ações e palavras do próprio Marjoe.
O registro mistura cenas ao vivo de pregações com entrevistas mais íntimas em que Marjoe fala com honestidade chocante sobre o que fazia e por quê.
Naturalmente, esse perfil de doutrinador conta com algo que pode ser muito comum entre as pessoas do que possamos imaginar: a vontade de acreditar.
Revelações (leia a legenda): “Bons e maus mentirosos. Eu sou BOM!”. Imagem: Marjoe (1972)
São alguns fenômenos psicossociais como o “viés de confirmação”, o “efeito manada” e o “efeito bolha” que se juntam para fortalecer crenças. Essa junção pode nos trazer muito mais conforto, além de um laço de pertencimento em que nada consegue abalar as crenças.
Em partes, isso explica o poder de atração que personagens que vão desde Marjoe até esse fenômeno do pastor mirim causam em suas audiências.
Suas audiências não são, obviamente, obrigadas a entregar sua fé e seu dinheiro, mas o cheiro de manipulação diante da fé e da boa vontade das pessoas é alarmante.
E não adianta se sobressaltar e xingar as pessoas (ou vítimas) que atuam nesse papel de “coadjuvante doador”, pois isso só fortalece esse tipo de esquema. O que precisamos é de uma boa dose de diálogo e compreensão.
Osho, o guru: Até hoje, desavisados seguem suas orientações espirituais. Manipulador e abusivo. Imagem: Netflix
Mesmo que possamos supor que há ignorância diante de possíveis golpes do falso pastor, zombar dessas pessoas, que aderem a esse tipo de sedução por motivos que não pudemos supor, só fortalece a aproximação e a sedução.
O desejo de controlar e manipular as pessoas, a necessidade de ser admirado, motivações ideológicas buscando promover agendas políticas ou sociais específicas podem ser algumas características comuns ao perfil desses indivíduos manipuladores.
De Marjoe até aqui, como podemos perceber, os truques são os mesmos.
A picaretagem de Marjoe começou aos 4 anos de idade. Pais reforçaram a manipulação. Imagem: Blog Bruce Gerencser
Recomendo assistir o documentário – que está disponível completo e legendado no Youtube – para quem se interessa por temas como religião, manipulação de massas, performance e autenticidade…
Quer dizer… Autenticidade, nem tanto, não é, Off The King The Power? (HD)