
"Deusa Mãe": a ignorância e o perigo do fanatismo e a inacreditável de Amy Carlson. Imagem: HBO
Fica cada vez mais claro como o sol do meio-dia que vivemos em um mundo onde crenças, opiniões, fofocas, mentiras, conspirações, manipulações, verdades de meio caminho e análises deformadas formam uma combinação para capitular almas, corações e mentes.
E mais uma vez nos é compartilhado uma daquelas histórias “só acredito vendo” para depois dizer “eu vendo não acredito”.
Uma dessas histórias inacreditáveis, a da norte-americana Amy Carlson e de sua seita Love Has Won, foi explorada na série documental em cartaz na HBO chamada “Love Has Won: The Cult of Mother God” (O Amor Venceu: O Culto da Deusa Mãe), lançada em novembro de 2023.
A série utiliza imagens de arquivo e depoimentos de ex-membros para retratar a ascensão e queda do grupo (podemos chamar de religioso?), destacando os perigos do fanatismo, da manipulação psicológica, intelectual e espiritual.
Simplesmente espantoso.
Amy Carlson: Uma jovem “ordinária” antes de sua espiral de decadência. Imagem: HBO
Amy Carson, antes de tudo uma pessoa comum (an ordinary people), era gerente de uma rede de fast-food e mãe de três filhos. Com a expansão e o desenvolvimento da internet, começou a se envolver com comunidades da Nova Era e fóruns espirituais online no fim dos anos 2000.
Abandonou a família e se isolou do seu mundo anterior, o que a deixou vulnerável a narrativas que a submeteram a “propósitos cósmicos”, para então fundar o grupo Love Has Won ou “Galactic Federation of Light“.
Já aqui temos os primeiros sinais de que as coisas podiam estar descontroladas: Carlson afirmava ser uma entidade divina de 19 bilhões de anos, reencarnação de figuras como Jesus Cristo, Cleópatra e Joana d’Arc.
Ela também afirmava manter contato com o espírito do falecido ator norte-americano Robin Williams, que, segundo ela, era o arcanjo Zadkiel, uma entidade do seu grupo de “galácticos”.
Os “deuses galácticos” da seita: De Robin Williams passando por Kenny Rogers indo até Donald Trump. Imagem: X
“Tudo foi divinamente orquestrado”, relatou uma das suas seguidoras mais fanáticas (aliás, difícil dizer quem era o mais aloprado dos seguidores).
Na verdade, de forma nada gradual, a “deusa mãe” se transformou numa alcoólatra e usuária de alucinógenos e psicodélicos. Ingeriu desbragadamente uma espécie de “remédio milagroso” fabricado pelo próprio grupo que foi uma das causa de sua intensa deterioração.
Bem sabidinha, de tempos em tempos, elegia diferentes homens de sua seita como seu “Father God”, e como percebemos, para experimentos calorosos, carnais e amorosos bem terrenos.
Como ela elegia? Ao seu bel prazer: um de seus companheiros amorosos, ela proclamou como “Father God do MULTIVERSO”. Assim ele podia experimentar dos dois mundos, sabe?
Roteiristas da Marvel, invejem!
“Deusa mãe” e seus amantes: Um da terra e outro do multiverso. Imagem: Divulgação
Para mim, ao acompanhar os três episódio, ficava cada vez mais difícil acreditar nas ações individuais e grupais dos componentes da seita. O culto agia como um grupo de adultos infantilizados, imbecilizados e fanatizados. E claro, manipulados.
Mas ali estão, os registros de atos, ações e falas (muita coisa em vídeo) que nos fazem “crer com os próprios olhos”, mesmo diante da implausibilidade de tudo que testemunhamos como espectadores do documentário.
A série também tenta propor reflexões em torno de detalhes que podem tê-la levado ao claro desequilíbrio mental da jovem personagem.
Bem. Especialistas dizem que o psicopata pode ser aquele seu vizinho simpático que dá um bom dia simpático, põe regularmente o lixo no lugar de coleta, compra pão levando o próprio filho no colo ou dá conselhos equilibrados e sensatos aos amigos em agonia.
E o fanático?
Diferente do psicopata que sabe exatamente o que é e só disfarça bem com uma espécie de lucidez estratégica, o fanático engana – às vezes de forma involuntária – a si mesmo.
A relação do fanático com a realidade é distorcida. Forma uma corrente que nega de forma aberta fatos, experiências, a própria realidade e a do mundo ao seu redor.
Duas das seguidoras mais fanáticas do culto: Vendendo curas e pedindo doações. Imagem: Warner Bros
No caso de Amy Carlson, foram crenças excêntricas e práticas controversas. Claro, teorias da conspiração não faltaram à receita. (Um dos tais “galácticos” era Donald Trump. A seita até defendeu o famigerado e despirocado QAnon)
Não faltou nesse tempero, além de divulgar suas crenças (completamente esquisitas), solicitar doações e vender produtos como suplementos de prata coloidal e outras bugigangas esotéricas, promovidos como curas espirituais.
O líquido de prata coloidal foi fatal para Amy.
Amy “deusa mãe”: Saúde comprometida pelas “curas” praticadas pela própria seita. Imagem: HBO
Autoritarismo, dependência psicológica, submissão, ignorância, uso abusivo de substâncias tóxicas, Amy Carlson foi a origem de uma corrente de manipulação.
Seja por fé cega ou seja por oportunismo, a ignorância do fanático pode ser a arma do psicopata. (HD)