fonte: Agência Gov
Ao longo do segundo semestre de 2023, o Brasil ocupou a presidência pro tempore do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o que significou sediar e coordenar reuniões de todas as instituições envolvidas nas negociações do bloco. Nesses encontros, duas temáticas da área da saúde ganharam destaque e encaminhamentos: os direitos sexuais e reprodutivos (que influenciam especialmente a saúde das mulheres) e a segurança alimentar e nutricional.
Fazem parte da composição do Mercosul as comissões intergovernamentais criadas por ministras e ministros sobre temáticas importantes, e o Brasil teve pouca participação na Comissão de Saúde Sexual e Reprodutiva (CISSR) nos últimos anos, voltando de forma robusta em 2023. “Considerando a importância do país na região, a simples retomada já produz impacto na agenda internacional”, ressalta Marcos Pedrosa, diretor do Departamento de Gestão do Cuidado Integral, que faz parte da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde brasileiro, e foi quem esteve à frente da pauta. “A volta do Brasil para esse espaço também permitiu uma análise comparativa com outros países do bloco e a necessidade de seguirmos avançando, por exemplo, no acesso a contraceptivos de longa duração”, avalia. O eixo orientador foi “Saúde Sexual em Reprodutiva: O futuro das populações, os desafios dos territórios e a busca por equidade”.
Já a Comissão de Segurança Alimentar e Nutricional (Cisan) tem uma agenda de trabalho com foco no debate sobre ambientes alimentares saudáveis e sustentáveis e na elaboração de propostas para ampliar o acesso a alimentos adequados. Para a coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Kelly Alves, foi positivo o Brasil promover o encontro presencial aqui para melhorar a qualidade do debate e das proposições. “É muito diferente a gente ficar imerso, concentrado alguns dias juntos, possibilitando conversas mais aprofundadas e mais estratégicas do que as reuniões virtuais, que são sempre muito mais rápidas”, opina.
Imersão no Brasil
Cada comissão promove ao menos dois encontros, um online e outro presencial. No âmbito da saúde sexual e reprodutiva, os participantes se reuniram na cidade de Recife, entre 31 de agosto e 1º de setembro. Cada país membro ou associado compartilhou seu cenário relativo ao tema, incluindo desafios e avanços para, em seguida, revisar e propor novas atividades ao plano de trabalho iniciado no primeiro semestre de 2023, além de construir uma proposta de declaração – posteriormente apresentada na reunião de ministros e ministras da Saúde. O plano de trabalho é um documento que orienta as equipes, prevê ações de cooperação entre os países envolvidos, respeitando a diversidade de contextos de cada nação, e produzem avanços a partir de experiências exitosas dos demais países, além de promover apoio para avançar naquilo que um país isoladamente muitas vezes não consegue.
O encontro promovido pela Cisan aconteceu em Porto Alegre, em outubro, e contou com outras experiências além das reuniões. Os participantes visitaram o Grupo Hospitalar Conceição, que é referência na compra de produtos da agricultura familiar; uma cozinha solidária no centro da cidade, “uma tecnologia social que o atual governo está transformando em política pública”; e uma escola municipal – o Rio Grande do Sul é um dos poucos estados do Brasil que tem uma lei que regula a oferta de alimentos ultraprocessados em escolas públicas e privadas. Kelly Alves avalia que as visitas técnicas foram importantes para mostrar experiências exitosas, a fim de que representantes dos outros países pudessem ver, na prática, “como as políticas acontecem aqui no Brasil e pudessem conversar e tirar dúvidas com profissionais e gestores que estavam naqueles serviços, servindo de inspiração também para eles”.
Também na capital gaúcha, a Cisan se reuniu com a Câmara Intergovernamental de Enfermidades Não Transmissíveis (Cient) no Mercosul, com representação da Secretaria de Vigilância Sanitária e Ambiental (SVSA) do Brasil. Foram discutidos fatores de risco e determinantes das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), visto que os temas de ambas as comissões convergem.
Compromissos firmados
Na CISSR, o principal documento produzido foi uma declaração assinada pelas ministras e ministros da Saúde dos membros do bloco, que reafirma esforços dos governos na promoção da autonomia reprodutiva e dos direitos humanos e no combate às desigualdades e injustiças étnico-raciais na saúde sexual, com participação da sociedade civil. Embora a declaração não tenha força de lei, ela cumpre um papel de firmar, publicamente e em âmbito internacional, os compromissos políticos que os países assumem com a pauta. “O que muda, na prática, é a importância política e o eixo de investimento em políticas públicas, colocando a pauta no campo das priorizações do governo”, explica Marcos Pedrosa.
Já na Cisan, o destaque vai para o acordo, também assinado pelos ministros e ministras da Saúde, com linhas e diretrizes para monitorar a rotulagem de alimentos, promover ambientes saudáveis em escolas públicas e privadas e viabilizar estratégias para a redução de fatores de risco das DCNT, entre outras. Cada país tem autonomia para decidir como colocá-las em prática em suas políticas nacionais.
“O decreto assinado pela presidência da República no início de dezembro para a promoção da alimentação saudável nas escolas, por exemplo, reflete as discussões feitas na nossa comissão no Mercosul ao direcionar estados e municípios a fazerem suas legislações locais”, destaca Kelly. “Nesse sentido, o Brasil já deu passos importantes para concretizar os compromissos firmados no acordo. Além do decreto citado, também incluímos os impostos seletivos sobre produtos e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente na Reforma Tributária”, acrescenta.
Os acordos e declarações refletem o trabalho realizado por cada comissão a cada exercício. São marcos normativos que refletem vontades coletivas, com impacto positivo para a saúde pública e com possibilidades de promover cooperação entre os países. O acordo tem um caráter mais incisivo do que a declaração, no sentido de gerar comprometimento.
Acesse os documentos na íntegra:
O que mais já foi feito
-Revogação de portarias não pactuadas com estados e municípios que dificultavam o acesso a direitos sexuais e reprodutivos;
-Restauração de protocolos de atendimento a vítimas de violência sexual;
-Ampliação da disponibilidade de dispositivo intrauterino (DIU) no SUS com a orientação de colocação e retirada por médicos e enfermeiros ;
-Fim da obrigatoriedade de autorização de cônjuge para a realização de laqueadura;
-Ações de ampliação do acesso à vasectomia como estratégia de aumento da responsabilização masculina no planejamento reprodutivo;
-Lançamento do Guia do pré-natal do parceiro – paternidade responsável;
-Reestruturação da Rede Cegonha: prioridades macrorregionais, ampliação dos componentes e financiamento e fortalecimento do planejamento sexual e reprodutivo;
-Formação de 3 mil médicos do Programa Mais Médicos em Saúde Sexual e Reprodutiva, com treinamento na colocação e retirada do DIU;
-Criação da Câmara Técnica para criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes ;
-Retomada da Caderneta da/do Adolescente e do eixo de saúde sexual e reprodutiva no Programa Saúde na Escola (PSE);
-Ampliação do acesso a implantes subdérmicos no SUS, com ênfase nas adolescentes (em processo de incorporação de novos insumos junto à Conitec);
-Criação de 10 centros de referências em LARC (do inglês long-acting reversible contraceptives ) até o final de 2024 – dois em fase de implementação e três em pactuação.
-No primeiro semestre de 2024, a presidência pro tempore do Mercosul tem a liderança do Paraguai.