Vocês podem se assegurar, até onde eu posso constatar, que assim como a comédia latino-americana, a comédia francesa pode ser bem eficaz para o público brasileiro. Bonjour, Molière.
Aqui vamos para mais uma dessas acidentais coincidências fílmicas que parecem ser frequentes no meu cotidiano.
Não sei o que apareceu primeiro – se essa nova série “Fiasco” ou o documentário de Eleanor Coppola, esposa de Francis Coppola e que documenta as conturbadas filmagens de “Apocalypse Now” do seu marido – mas em um estranho (e curto) espaço de tempo, essas duas produções cruzaram comigo. Entendam… (E ainda terá outra “obra” do acaso)
Eleanor Coppola: Esposa do diretor registra as loucuras dos bastidores em Apocalypse Now. Cartaz: Divulgação
Começo pelo ponto principal da nossa conversa hoje: uma nova série (França) em cartaz na Netflix chamada “Fiasco”, uma excelente comédia em formato de falso documentário.
Premissa básica: No ambiente do set de filmagens de uma produção, a cada atuação, reunião, decisão, imposição ou até mesmo uma respiração (cês vão entender!), testemunhamos o crescimento de uma tragédia pessoal e artística. O riso será também de nervoso, mas sempre inevitável.
Através de sua produção cinematográfica, um diretor estreante (Pierre Niney) conta uma história familiar que atravessa o tempo, homenageando sua avó, uma combatente da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial.
Um fiasco: Diretor tenta controlar um incontrolável ambiente de filmagens. Imagem; Divulgação
A Lei de Murphy será a tônica dos bastidores da produção, ou seja, qualquer coisa que possa dar errado, dará ou… Será pior ainda.
De onde saíram tantas ideias cômicas para enterrar a carreira de um diretor iniciante como o hilariante (e boboca) protagonista da série, não sei, mas sei que são ótimas as criações narrativas.
A gente até torce (tenta) pelo personagem, mas ele mesmo não ajuda e só nos resta rir.
Millôr e Jaguar: Até resolvi reler um pequeno manual da Lei de Murphy. Imagem: International Network
Devo avisar que a série também me causou maior impacto e melhores impressões por tratar de uma história que transcorre em um ambiente de bastidores de filmagens. Vamos vendo (pouco) o filme sendo gravado, assim como vemos (muito) os bastidores da produção e suas incontroláveis confusões.
Por se tratar de uma dramatização de um set de filmagens, estive sob a força da atração pessoal, mas garanto que isso não arrancou meu senso crítico, tendo em vista que entendo as medidas que normalmente diferenciam os tipos de humor francês e brasileiro. (Em uma boa medida, até se parecem algumas vezes)
“Fiasco” é suavemente inteligente e puro entretenimento leve… Se…
… Você se diverte com a completa e inevitável derrocada de um autor/diretor em busca de sua ascensão e reconhecimento cinematográfico, prejudicado pela má sorte, sua falta de liderança, um produtor incompetente e um misterioso sabotador.
Fiasco: Quanto mais os personagens tentam encontrar a ordem, melhor fica para o caos. Imagem: Divulgação
As atuações (na língua original) são impecáveis. O ator e protagonista Pierre Niney transforma seu Raphael em uma mistura de pateta desnorteado sem noção com um artista bem-intencionado de coração ingênuo.
Pascal Demolon, Leslie Medina, Géraldine Nakache e uma participação de Vincent Cassel dão um extraordinário toque de habilidade cômica para a série, combinando perfeitamente com o talento e a performance de Niney e seu diretor paspalhão.
Pierre Niney: O diretor tem boas intenções, mas disso, o inferno está cheio. Imagem: Divulgação
E vejam só. Há poucas semanas, vi o novo filme do diretor Michel Gondry chamado “O Livro das Soluções” (Le Livre des Solutions, FRA, 2023), também estrelado por Pierre Niney, fazendo o papel de um diretor de cinema excêntrico e atrapalhado.
(A cena da criação de uma trilha sonora em “O Livro das Soluções” é sensacional)
Quando comecei a assistir “Fiasco”, chegue até a pensar que estava vendo um derivado do filme de Gondry pela quase exata coincidência dos personagens e o mesmo ator.
O Livro das Soluções: Mesmo ator, mesmo personagem (cineasta) mas outra (ótima) história. Cartaz: Divulgação
Sobre o documentário de Eleanor Coppola que citei anteriormente, alguns críticos comentam que a série “Fiasco” teve como inspiração o trabalho documental feito por Eleanor através de registros mais íntimos do filme de seu marido. (As filmagens e bastidores de “Apocalypse Now” foram um caos)
A nova série francesa é uma graça da desgraça. (HD)