Ultimamente, pra onde esses caras estão indo à noite e bebendo o quê? Que programas tem assistido? Que música estão ouvindo e que livros estão lendo? Onde nascem suas ideias?
Prevalecendo no vale-tudo criativo diante do estilo louco e querido do cinema australiano, estão os canadenses, e assim, como canta a revoltada população da legendária cidade de South Park: Culpem o Canadá!
Dois filmes inventivos, assustadores e elucidativos lançados recentemente, fazem vibrar a filmografia de seu país: In A Violent Nature e Humane. E diante de tanta fratura, hoje falarei de um só.
Claro que passo bem de soslaio em Humane (2024), sátira distópica sobre uma sociedade que aplica uma espécie de enviesado controle compulsório de mortalidade em decorrência dos impactos de um colapso ecológico. Dá um medinho, tanta a proximidade com a realidade.
Humane (2024): Realidade, distopia e sátira social em outro excelente filme. Cartaz: Divulgação
E o fruto não cai longe da árvore, né? Quem dirige Humane é Caitlin Cronenberg, filha da brutal máquina criativa, o cineasta David Cronenberg.
Mas vamos lá. O foco mesmo será em In A Violent Nature (2024), Slasher radicalíssimo que sem trocadilhos, assim com o eterno retorno de Jason Voorhees, Michael Myers e Freddy Krueger, “reanima” o gênero e adiciona criatividade na fórmula “kill, kill, kill”.
Num primeiro momento eu não quis escrever sobre esse filme. Dois motivos:
. Entre todos os subgêneros de terror, meu interesse é monstruosamente diminuto na experiência slasher;
. Diante de tanto preconceito com filmes de terror e sabendo que minha audiência é bem heterogênea (imagino), poderia compartilhar uma experiência traumática para não iniciados. (Sim, o filme é ultraviolento)
Sem preconceitos: Livro é um guia fundamental para fãs do gênero Slasher. Imagem: Editora Skript
Sinopse de In A Violent Nature: Jovens reunidos numa cabana na floresta passam a correr perigo diante de uma criatura monstruosa que busca alguma vingança, blá, blá, blá… Ao redor de uma fogueira contando histórias, não imaginam o que lhes acontecerá a seguir e que será fatal, ti, ti, ti…
Ainda que não me inspire os slashers, e que essa história seja um desgastado clichê, e que o cartaz de divulgação não fosse um indutor que me incentivasse a curiosidade, eu sabia que iria assistir numa hora qualquer. Vi…
Então como um bom personagem com marreta, machado, facão ou motosserra nas mãos, eliminei minha vontade de não escrever e eis-me aqui.
Outro motivo forte foi um amplo grupo de críticos (entre eles alguns bastante idiotas) falando mal do filme e o intenso medo covarde de seus espectadores e seguidores em contrariá-los. Afirmo: É uma ótima experiência.
Pra começo de conversa, ainda que o filme seja decalcado do Slasher, o filme usa e subverte a maioria dos códigos do gênero. (Assassino psicótico, máscaras, perseguições, violência explícita, “garota final”, etc)
Jamie Lee Curtis no filme Halloween: A “garota final” (Final Girl) mais famosa do cinema. Foto: Divulgação
Antes de tudo, vamos ter o – incomum – ponto de vista do assassino (Johnny), escolha que se opõe à narrativa sempre utilizada que privilegia o olhar das vítimas. Longas (e belas) passagens contemplativas vão nos conduzindo ao lado do perigoso ser sobrenatural.
Após a contagem de corpos (expressão que uso para significar “depois da experiência”), percebe-se o espectador foi engolido por uma inversão da narrativa: ao invés da história primeiro explicar o que detém ou deteve o monstro – suas motivações -, vamos entendendo somente bem adiante o que o estava deixando a criatura em estado dormente. (O audacioso final do filme indica isso com perfeição)
A “cena da yoga” contém a brutalidade mais inacreditável e criativa que há tempos não se via em filmes assim. Porém reconheço uma disputa nesse quesito com Fale Comigo (2023), ainda que esse outro excelente filme não seja da mesma categoria Slasher.
Cena da yoga: Criatividade e brutalidade como irmãs da harmonia: Cartaz: Divulgação
Outro ponto cego (ou surdo) para os detratores do filme foi a ausência de trilha musical, que no meu exame, ao contrário do que tem sido dito, trouxe uma assombrosa carga de tensão.
Como relatei, não sou fã de Slashers, mas a experiência distinguida em In A Violente Nature conseguiu meu apoio e respeito.
Mesmo diante da coragem artística ao reformular códigos e normas do gênero, o diretor Chris Nash usa referências e faz homenagens legítimas ao gênero (a medonha máscara do assassino, a ultraviolência comum ao gênero, a estupidez e burrice das vítimas, etc).
A máscara de Johnny em In A Violent Nature lembra diretamente a de Jason Voorhees. Foto: DIvulgação
Foi tão adiante em sua contravenção estética que também conseguiu borrar alguns limites entre os gêneros Slasher e Found Footage na maneira como foram filmadas algumas passagens narrativas.
Num futuro bem adiante, esse filme vai ocupar a prateleira que merece, visto o desprezo como ele tem sido recebido pela crítica nacional e um assassino imortal da ficção vai esquartejar os mentecaptos. (HD)