Sempre pensei que convidar alguém para assistir um filme ao seu lado, seria (ou poderia ser) um ato romântico, de amor ou no mínimo de carinho especialíssimo, afinal, para compartilhar algum tempo dividindo emoções, você não convida qualquer pessoa.
Minhas premissas foram sarjeta abaixo quando o filme a ser assistido foi “Olavo Tem Razão” (2023), peça audiovisual (adiante, explico porque não chamo de documentário) de Mauro Ventura, sobre o autoproclamado filósofo preferido de alguns brasileiros.
Um dilema digno da sessão, assim como, uma sessão digna de um dilema: Seria esse convite um ato de amor e respeito?
Olavo me ensinou: Às vezes é melhor estar sozinho do que bem acompanhado. Imagem: Web
Para facilitar o correr das palavras, começo explicando: Realizadores e uma parte do público chamam a obra audiovisual aqui em foco de documentário (peça publicitária, diria eu), mas certamente seria mais bem definida como um documento congratulatório ou elogioso.
Como o próprio realizador declarou, “que a gente não só assista o filme para consumir um conteúdo, use essa oportunidade para celebrar a vida, a obra, e a personalidade desse grande (sic) homem. […] Que o filme seja um momento de celebração”. (Revista Oeste. Vitor Marcolin, 2023). Portanto, sua afirmação concorda com a leitura que faço.
Dito isso e para efeito do diálogo que estabeleço aqui, no decorrer do texto, ao utilizar o termo documentário, sempre usarei um asterisco para você lembrar da minha observação acima.
Mauro Ventura: Diretor do documentário* em momento descontraído com seu personagem. Foto: Matheus Bazzo
Antes de entrar na sessão, algumas breves sugestões.
Primeiro se deve reconhecer (e já pude reconhecer isso lá atrás, logo após o início do fenômeno) uma mudança estrutural que aconteceu quer você goste/aceite ou não: Olavo de Carvalho trouxe para o debate, novos autores, livros e ideais que não eram discutidos na maioria dos meios intelectuais no Brasil.
(Isso inclusive fez crer em uma boa parcela de seus jovens acólitos que havia um “complô” para impedir o acesso a essa nova bibliografa que se apresentava. Estrategicamente, o cara (Olavo) já começa exibindo essa “vantagem” para quem está ao seu lado. O grupo Brasil Paralelo confirma essa tendência)
Brasil Paralelo: Ideologia, revisionismos e conspirações. Influência olavista. Cartaz: Divulgação
Sei que você pode estar lendo esse texto com a bílis, mas também devo lhe informar que Olavo foi uma pessoa inteligente. Muitos pensadores (honestos) influentes da esquerda reconhecem isso. Se você quer dar espaço ou destaque para esses detalhes são outros quinhentos.
Um resultado simples disso é a óbvia sustentação intelectual e ideológica que ele ofereceu para uma direita, que claro, existia, mas atuava de forma discreta ou esquálida. Acho isso até fácil de reconhecer.
E se essa direita sai do campo democrático e pendeu ou pende para uma extrema direita é outro assunto, apesar de entender suas fortes relações no Brasil de hoje. Direita democrática e extrema direita em clara simbiose.
Livros: Agora existem guias mais abrangentes sobre leitura da nova direita. Imagem: Web
“Eu sou um escritor e um conferencista”, diz o protagonista logo no começo da obra audiovisual. Disso não há por que discordar. E creio que a pergunta que todos podem fazer a respeito de sua capacidade filosófica é respondida por ele mesmo, logo adiante: “Minha profissão é essa… Explicar as coisas tal como eu as entendo”.
Para alguém mais atento, ávido por respostas ou obsequioso com seu tempo na terra, ao ouvir essa afirmação no oitavo minuto do filme, bastava para terminar essa sessão que dura duas horas e quarenta minutos, tempo total do solilóquio. (Porém, continuei.)
Ainda que alguém busque teorizar sobre Olavo, não há explicação melhor.
(Gente, que assunto mais complicado. Já no meio de outra lauda e mal falei do filme.)
Olavo tem razão: Ele explica como ele entende. Somos todos filósofos, então? Imagem: Web
Vamos lá. Procurei resenhas para tentar perceber como o filme penetrou na comunidade crítica e cinéfila no Brasil. Folha de São Paulo e Estadão deram pouco destaque com textos protocolares. Alguma coisa escrita em Saída Pela Direita (blog), Revista Oeste, Gazeta do Povo, mas diria que podem ser considerados “café com leite” – conceito popular do jogo de futebol de rua, quando a gente define condições tendenciosas e facilitadoras.
Alguns pequenos espaços virtuais da olavosfera sem muita importância para o debate público também publicaram seus panfletos formais.
Em um deles, ainda tentam demonstrar uma certa relevância e pioneirismo no uso de imagens (na sua maioria, fotos) geradas por inteligência artificial, que minha sensibilidade permitiu perceber que alteraram e deformaram as imagens usadas muito mais do que as melhoraram. Pioneirismo questionável.
Sobre histórias de conflito em seus relacionamentos mais íntimo: ZERO.
E não que isso seja ingrediente obrigatório ou algum estratagema imperativo para chamar atenção, mas simplesmente porque sabemos sobre profundos conflitos familiares que o personagem teve. (Vide o livro escrito em co-parceria pela filha Helena de Carvalho chamado “Meu Pai, Guru do Presidente – A face ainda oculta de Olavo de Carvalho”)
Conflitos e disputas estão mais presentes no livro de coautoria de sua filha. Imagem: Divulgação
No documentário*, falando sobre a “barreira da ignorância humana”, Olavo relata uma experiência com um de seus animais doméstico (uma cachorra) e sua incapacidade de, através de uma escolha simples, se livrar de uma coleira, usando como isso como baliza para definir a incapacidade humana.
Aí não dá, né? Só uma inteligência canina aceita uma comparação dessa. E nem tente proteger a abordagem chamando-a de “metáfora”, pois tarefas humanas e caninas são bastante diferentes. Que providenciasse melhor metáfora.
Também dou destaque a um “truque” de retórica (e adiante tiro sua máscara enganadora) usado por um dos olavistas entrevistados – Flávio Morgenstern – que relata ter uma tática para apresentar textos de seu mestre Olavo para alguns de seus adversários (uso “adversários”, mas consideram inimigos, seguindo a doutrina olavista): compartilhá-los sem a devida identificação de autoria, recebendo em troca (cegos) louvores e elogios.
Funciona assim, segundo ele: “Fuja do tema de política, mas mande um texto de Olavo SEM DIZER que é dele. Essa técnica nunca falha”.
Percebem como é importante ler (em todos os sentidos) esses caras, Olavo e companhia?
Primeiro, por óbvio, se você lê, vai saber de quem se trata a autoria. Mas saindo do campo da suposição, veja…
Morgenstern e seu mentor num delicado momento íntimo. Foto: Web
Morgenstern sugere em sua trama, entregar um texto sem conotações políticas, e posso citar um do próprio Olavo que podia fazer esse papel na farsa: o artigo “O Poder de Conhecer” de 2001. O autor fala de São Tomás de Aquino e da importância de aprender e conhecer nosso mundo ao redor.
Os parágrafos contêm conselhos, conceitos e experiências que fazem bem a qualquer um, pois sabedoria e aprendizado nos elevam. Alguém tem dúvida ou discorda? Penso que não.
Em dado momento do seu texto, Olavo (guru de Morgenstern) define honestidade intelectual: “É você não fingir que sabe aquilo que não sabe, nem que não sabe aquilo que sabe perfeitamente bem.”
Será que o pupilo de Olavo, pela sua pronunciada desonestidade, ficaria de castigo com os joelhos em cima do milho no canto da sala? (Gente, como esses caras insistem em produzir as próprias provas que os condenam?)
Só essa atitude desonesta do aluno (escancarada ali em vídeo) daria uma aula sobre defesa, contra-ataque e cólera olavista.
O texto “O Poder de Conhecer” pode ser encontrado nesse livro de Olavo. Imagem: Web
Uma outra personagem, deputada ultrarradical religiosa, declara nunca ter visto um professor causar tanta mudança na vida de seus alunos como Olavo. Declara conhecer professores da rede pública e privada, políticos, agentes públicos, mas nunca ninguém da dimensão de Olavo.
Hiperbólica? Não saberia dizer diante de tanta seriedade em sua declaração.
Sem fazer uma varredura mais profunda, pensei o que diriam dessa declaração os alunos do professor Pierluigi Piazzi (conhecem?) – sem citar os pupilos de Anísio Texeira, Florestan Fernandes e Ruth Guimarães, e aqui nem faço provocação.
Convoco a nobre deputada tão somente a não usar (sua) lastimável retórica, como aproveitar melhor seu tempo para conhecer esses professores que citei.
Ana Campagnolo: Deputada que considera Olavo o maior professor do Brasil. Imagem: O Globo
Ainda no documentário*, Allan dos Santos vende uma imagem de Olavo como um abnegado que não desejava medalhas, honrarias e nem reconhecimento. Tem um perfil de humor chamado Allan dos “Panos”. Não há melhor definição para essa figura dramática da vida real.
Quem minimamente acompanha Olavo, sabe que na maior parte do tempo de suas fanfarrices, ele vive reclamado que não é convocado para o debate público institucionalizado.
Para a maioria das pessoas que de alguma forma ouviram alguns das bravatas olavianas é nítido o sempre presente desprezo pelo conhecimento dos outros, rebaixando seus oponentes intelectuais, assim como cientistas renomados e/ou estabelecidos. (Albert Einstein, Stephen Hawking e João Cezar de Castro, entre outros)
“99% da confiança que depositamos no establishment científico é imerecido” disse ele uma vez em um dos seus inúmeros impropérios (em áudio) contra a ciência de forma geral.
Allan dos Santos e sua estética olavista. Aluno aplicado. Imagem: Web
A pergunta persiste: Por que tanto desprezo com intelectuais, cientistas e academicistas? Mágoa, ressentimento ou recalque? (HD)
(Continua…)