Que proeza de filme para esse dia de comemoração. Dia do Cinema Brasileiro.
Aqui vamos ter o cinema nacional bem produzido, misturando drama, comédia e fatos reais – os dois gêneros refletem com perfeição os personagens –, para contar a história de um momento fundamental para música jovem brasileira.
Começo dos anos 80 e uma estação de rádio fadada a ser difusora de ritmo “mela cueca” (músicas que embalam motéis, mas saibam que acho injusto essa apelido pejorativo) vai dar uma guinada radical para se transformar na catalisadora do explosão do Brock, como é conhecido o rock nacional da época.
Lançamento: Livro aborda o tema musical do mela cueca”, típica música de motel. Capa: Divulgação
Em “Aumenta que é Rock’n’Roll” (2023) de Tomás Portella, entre vários momentos de risos, afetos e coragem nessa história de jovens determinados e destemidos, destaco dois momentos bem emocionantes e cheios de vibrações, sempre com a força da palavra definindo o ato:
1) O discurso inaugural do jornalista, programador e radialista Luís Antônio Melo, o Lam, da nova fase de uma rádio em Niterói no Rio de Janeiro e – de novo ele – 2) Um pequeno confronto com um funcionário da extinta Dentel, órgão responsável por fiscalizar o funcionamento das rádios.
Inaugurou dizendo, “Estamos entrando no ar com a pureza da ousadia, o calor da criatividade, a independência audaz e faminta dos tempos modernos”. Não haverão melhores palavras para definir o que (sempre) foi a Rádio Fluminense 94,9 FM, carinhosamente chamada de “Maldita”. E…
Confrontou dizendo, “Isso aqui é um grito de liberdade, entende? Como todo grito de liberdade, ele é sincero e cheio de fúria. Isso aqui é uma trincheira honesta nesse mar de mediocridade que a gente vive!”, já numa fase menos eufórica e cheia de problemas.
A “Maldita”: Equipe que ajudou a construir a música jovem nos anos 80. Foto: Fluminense FM
Dizem que a primeira música que tocou na programação oficial da então reformulada Rádio Fluminense (94,9 FM) no 1° de março de 1982 foi The Kids are Alright (The Who), mas como o filme apresenta, disputa com I Love Rock and Roll (Joan Jett) essa suprema verdade. (Em recente evento de comemoração aos 40 anos da rádio, logo no início do debate, tocou ao fundo The Kids are Alright)
Esse momento, assim definido no filme, serve muito bem para caracterizar o estilo de programação da Fluminense que buscava dar destaque para o rock internacional e como isso seria afetado depois pela força criativa do rock nacional.
Seria mais uma pista? O guitarrista do The Who em uma publicação sobre a rádio. Imagem: Int Network
Diante de muitas obras recentes (cinebiografias acanhadas e preguiçosas) que retratam momentos importantes da nossa história musical (o constrangedor filme sobre a banda Mamonas Assassinas demonstra isso), Aumenta que é Rock’n’Roll brilha intensamente nos quesitos técnicos e dramáticos.
Mas posso ser chato e apontar algumas faltas? (Observe que não chamei “falha”!)
Num vacilo cenográfico (até grave, mas talvez imperceptível para plateia) durante uma cena dentro do estúdio da rádio no dia do primeiro comício das “Diretas Já” em 1983, um cartaz da banda Little Quail and the Mad Birds não deveria estar compondo o cenário, já que só foi formada em 1988. (Ok, foi uma falha!)
Máquina do tempo imprecisa: Em 1983 ainda não havia os “pássaros loucos”. Imagem: Divulgação
Assim como, poderiam ter aproveitado mais e melhor o “causo” Lobão na Blitz. Acho Lobão insuportável, mas sua carreira está inteiramente ligada ao Brock e o golpe que ele deu na moçada da Blitz foi inteligentemente oportunista. (Falo da famosa história da capa da revista Istoé.)
Provavelmente a banda de Evandro Mesquita foi a que impulsionou as outras que também foram protagonistas dessa história, mas reduzir essa “aventura da Blitz” a uma pequena cena num fliperama, fez perder um bom momento que o filme poderia ter. (A total ausência da banda Rádio Taxi na história também é grave, mas vamos seguindo…)
Golpe: Lobão fez a foto para publicação sabendo que ia sair da banda. Imagem: Istoé
Entretanto, o filme promove uma reconstituição histórica com excelentes resultados, o texto possui a agilidade dramática (e cômica) necessária para retratar as características de uma turma apaixonada por música e rádio, para em consequência, entregar performances convincentes com passagens que equilibram euforia, loucura, alegria, tristeza, vitórias e derrotas, além de muito rock nacional.
Para usar um termo que foi a pura marca dos anos 80, o filme “Aumenta Que é Rock’n’Roll” é cheio de ENERGIA! O filme pode ser visto no NOW, Apple TV ou Amazon Video.
Não conheço muito bem outros trabalhos do ator Johnny Massaro, mas aqui ele exulta de talento, assim como toda turma que embarca numa das aventuras musicais mais importantes do Brasil.
Massaro com a famosa camiseta da Maldita. Imagem: Divulgação
No final da história, a apoteótica canção “Pro Dia Nascer Feliz”, ao mesmo tempo que representa um recorte do início de um momento histórico cheio de novidades e esperança, também serve como o começo da despedida de uma época em que festivais de música tinham artistas que faziam sucesso com a guitarra nas mãos ao invés do celular e o Tik Tok (e talento escasso).
Parece ressentimento ou saudosismo mofado – e não é nem cocaína, nem tristeza, não é Renato? -, mas tente me contradizer se eu estiver errado. (HD)