Primeiro gostaria de aqui classificar como filmes antigos, produções das décadas de 1960 e 1970. De 1980, vá lá, mas definitivamente, 1990 não.
Vejamos. Não sei dizer exatamente onde começa aquele desejo ou vontade repentina de ver (ou rever) um filme antigo. Isso porque não quero utilizar minhas balizas para determinar alguma regra.
Onde essa sensação mora? Que horas exatamente ela se manifesta? Como ou quando estamos preparados para isso?
Perguntas misteriosas que podem trazer (muitas) respostas cheias de inexatidão, tendo em vista as diferenças entre pessoas.
Mil novecentos e antigamente: Público comparecendo em uma sessão de cinema: Fonte: Retratos Fantasmas
Uma das respostas mais fáceis de se apresentar é aquela que relaciona esses tais filmes antigos com memórias nostálgicas ou afetos pessoais. E aí o filme pode ser bom ou ruim (na opinião dos outros), mas isso não importa.
Também existem outras respostas fáceis que trazem alguma explicação, estimuladas pela mudança de pensamento que se forma durante a vida: “Vou rever esse filme agora que mudei minhas perspectivas”; “Preciso rever esse filme, assistindo com a cabeça que tenho hoje!”. Ou seja, mesma obra, outra pessoa.
Tudo isso para propor a experiência: Dedique alguma parte de seu tempo para ver ou rever filmes antigos (e rever sempre parece ser mais divertido).
Velhos guias de filmes incentivavam o público a rever filmes antigos. Imagem: Acervo pessoal
Vejo filmes antigos por prazer, assim como por dever de ofício. E garanto que é ótimo em ambos os casos .
Dei essa volta para começar a falar de “Farsa Trágica” (The Comedy of Terrors, 1963), uma comédia chique e nonsense dirigido pelo francês Jacques Tourneur, roteiro de Richard Matheson e estrelado por Vincent Price, Boris Karloff e Peter Lorre.
Só essas credenciais já te encaminham para outra série de filmes antigos e fundamentais para quem gosta de cinema e de boa diversão.
De Tourneur temos Cat People (1942) e Night of the Demon (1957), Matheson escreveu o livro Eu Sou a Lenda (I Am Legend) que deu origem aos filmes Mortos que Matam (1964) – esse também com Vincent Price – e O Último Homem da Terra (1971).
Um filme leva ao outro: Price em uma adaptação do livro I Am Legend. Mortos que Matam. Cartaz: Divulgação
Seguindo, temos Karloff eternizado em A Múmia (1932), um clássico da era monstros da Universal e Peter Lorre que garantiu ser titular do time dos melhores no cinema fantástico com seu protagonismo em M, O Vampiro de Dusseldorf (1931).
E olha que não falei da participação de Basil Rathbone (um dos atores que mais interpretou Sherlock Holmes nas telas).
Um verdadeiro baile de gala… Não… Uma festa de arromba de filmes antigos.
Elenco estelar do cinema fantástico: Karloff, Lorre, Vincent e Rathbone (em pé). Imagem: Divulgação
A história em The Comedy é sobre um trambiqueiro vivido por Vincent Price, proprietário de uma funerária e suas desventuras vividas com seu assistente (Lorre) às volta com dificuldades financeiras em seu negócio, que na verdade pertence a seu sogro (Karloff), um senhor decrépito cuidado por sua filha, esposa do personagem de Price.
Completamente negligenciada por seu marido vigarista, a personagem provoca a paixão e a compaixão do assistente e companheiro de golpes vivido por Lorre. Uma verdadeira roda de emoções num ambiente de farsas.
O personagem de Lorre totalmente apaixonado pela esposa do colega trapaceiro. Imagem: Divulgação
A dupla de golpistas é hilária em seus diálogos e situações de conflito, sustentados por atuações refinadas. Eles são uma espécie de versão inglesa de Chicó e João Grilo. (Aí você percebe a estatura de Suassuna, já que “O Auto” tinha sido escrito em 1955, antes do filme. Homem popular e também refinado)
E todo o resto do elenco se ajusta perfeitamente com a grandeza dos protagonistas e na direção hábil e segura de Tourneur. Uma comédia farsesca com um plot twist espantoso de engraçado. Delícia de filme (descontraído, bobo, divertido e eficaz).
Mesmo diante de tantos bons motivos para ver uma obra com essa qualidade, uma coisa me parece ser certa (e sem etarismos ok? hehehehe): Ver filme antigo é coisa de velho (se não no corpo, no mínimo na alma).
Vincent Price e Peter Lorre: João Grilo e Chicó versão britânica. Imagem: Divulgação
Mas, “serão os jovens então, uma turba de idiotas?”, perguntaria o reducionista cinéfilo.
Não, gente. Jovens estão assistindo outras coisas (que um dia vão virar velhos filmes) e formando plateia para quem sabe em breve, começar criar disposição para ver filmes antigos.
Deste modo, a despeito das mudanças no paladar visual e mental (tecnologia, efeitos visuais, novos conflitos, modernização, novos comportamentos, paradigmas atualizados…), o desejo ou a ação de ver um filme antigo anda de mãos dadas com a satisfação pessoal, curiosidade emotiva e amadurecimento intelectual.
E vá lá… Ou porque simplesmente um dia você descobre que um velho filme pode ser muito bom. (HD)