Pergunto: Como alguém transforma o adágio popular “de boas intenções o inferno está cheio” em uma obra de arte?
Eu mesmo te respondo: O cineasta Yorgos Lanthimos fez isso no seu novo filme Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness).
Decididamente, Lanthimos, filme após filme, se firma como uma espécie de enfant terrible do absurdo e da estranheza para contar suas histórias. E não são poucos filmes: Dente Canino (2009), O Lagosta (2015), O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) – o meu favorito -, A Favorita (2018) e o excepcional Pobres Criaturas (2023), uma reinterpretação – provocante e provocativa – feminina da criatura de Frankenstein.
O Sacrifício do Cervo Sagrado: Surpreendente e enigmático. Marcas do diretor. Cartaz: Divulgação
O que dá pra dizer, sem qualquer dúvida, sobre a construção da carreira desse realizador é que em seus filmes o espectador não permanece indiferente. Como disse, suas histórias alcançam os píncaros da excentricidade e esquesitices singulares.
Tanto que é até difícil sintetizar o que você vai encontrar em seu novo filme, mas tento aqui.
A narrativa em Tipos de Gentileza é apresentada numa espécie de formato tríptico – um história formada por 3 partes – e protagonizada pelo mesmo núcleo de protagonistas em papéis diferentes. Porém, tudo é interligado por um personagem que faz o mesmo personagem nos três segmentos. (Segura um pouco ao final do filme para uma cena pós-créditos).
Criador e criaturas: Dafoe, Stone e Lanthimos. Foto: Divulgação
Comandando essa alucinação criativa temos Emma Stone, Jesse Plemons e Willem Dafoe.
A ironia do título – tipos de gentileza – confere para cada uma das fábulas apresentadas a ligação com as “boas intenções” que como sabemos, o inferno realmente está cheio.
Seus três segmentos falam de manipulações, e só escapa a manipulação política, mas as histórias impressionam mostrando manipulação através do dinheiro, do amor (fatal) e da religião (portanto, algo parecido com o que se faz na política).
Ao centro, personagem de Plemons mergulhado na manipulação. Imagem: Divulgação
O intuito nos contos é retratar situações vexatórias, estranhas, bizarras e inacreditáveis (mas possíveis) de relações (extremas) de poder entre manipuladores e manipulados.
Primeiro conto: em troca de conforto econômico, homem aceita ser controlado ao limite do extremo; Segundo conto: policial mentalmente adoecido tem uma relação controladora com sua esposa; Terceiro conto: uma seita através de dois participantes e uma profecia, procura um ser humano que ressuscita pessoas.
Emma Stone na dancinha da vitória (e do radicalismo e da ignorância). Imagem: Divulgação
O incrível de tudo que se percebe é que muitas vezes os manipuladores acham que aquela camada de anulação humilhante imposta para a figura de uma outra pessoa é da ordem natural da vida, praticando seus atos sem qualquer traço de compaixão ou sensibilidade, entretanto, usando uma máscara de benevolência.
Por outro lado, o abusado se submetendo a situações humilhante e desconfortáveis cria um laço insuportável de dependência e vício através de recompensas materiais e psicológicas.
É um filme longo, desconfortável e muito bem filmado, belo, provocador e que abusa do espectador, mas traz recompensa.
É ou não um tipo de gentileza? (HD)