Vamos lá misturar num mesmo balaio, cinema de rua, histórias de heróis, magia e espada, quadrinhos, aventura, sessão da tarde e amizade.
Para começar, atravessando memórias distantes e embaralhadas, posso dizer que meu interesse por cinema nasceu quase logo depois da paixão por quadrinhos (ou até simultaneamente, esperando que um laivo mais forte de lembrança possa me trazer certeza).
A segurança dessa minha “quase certeza”, reside no fato de que meu pai me levava pra comprar quadrinhos muito antes dos meus primeiros ingressos na sala escura dos cinemas, disso tenho certeza. (Filmes dos Trapalhões, Grease, Mad Max, Piranhas II – Assassinas Voadoras, etc, alguns desses proibidos e que tempos depois eram exibidos na Sessão da Tarde com seus devidos cortes)
Assassinas voadoras no Cine Royal: Proibidão. Meninas ousadas, nudez e piranhas devoradoras de carne. Cartaz: Divulgação
Isso pra dizer (e chegar no ponto principal) que posso ter conhecido o icônico personagem de Robert E. Howard, Conan, o Bárbaro, estrela de revistas pulp e livros, antes pelos quadrinhos do que na sua estreia nos cinemas em 1982 pelas mãos do diretor John Milius.
Antes do filme, o destemido Conan já tinha sido publicado em quadrinhos pela Bloch na década de 1970, assim como suas histórias já tinham sido apresentadas em Superaventuras Marvel bem no início de 1980.
Mas também sei (e senti) que o impacto nas telas foi bem maior e mais forte, curtindo a aventura cinematográfica de espada e magia com o austro-americano Arnold Schwarzenegger interpretando e popularizando esse irresistível personagem.
Antes do cinema, Conan já frequentava as bancas de revistas no Brasil. Imagem: Editora Abril
Assisti essa adaptação cinematográfica no saudoso Cine Rex ao lado de um grande (e também saudoso) amigo, como eu, imerso em igual ímpeto de adorar o cinema, e ficamos arrebatados. (E sendo bem sincero, não lembro exatamente, mas acho que podemos ter assistido sim, no Cine Royal, que fechou circa 1984)
Jean Carlos, meu amigo, me causava admiração por sua sensibilidade quanto a todo tipo de arte que progredia em jovens como eu e ele que queríamos ser artistas. Meu ambiente familiar permitia circular arte, mas estávamos nos desviando pelos caminhos da transgressão e nos insinuávamos em eventos bem adiantes da nossa média etária permitida.
Éramos parceiros no crime.
Jean Carlos (camiseta regata) e os dois Henriques: Dividíamos amor pela música e pelo cinema. Foto: Arquivo pessoal
Fascinados tanto pela espantosa aventura, como pelas belas e apaixonantes mulheres em tela e a energia brutal e violenta (de um conto para adultos) comum ao cinema dos anos 80, as descobertas eram arrebatadoras. (A cena da choupana com a bruxa me impressionou por anos).
Não custa lembrar que esse filme de aventura é uma grande história de vingança que envolve passagens de tempo (um “coming of age” selvagem), batalhas com espadas, amizade, seitas, criaturas, magia, resgate e romance.
A quadrinização saiu por aqui no mesmo ano do lançamento do filme. Quem publicou foi a Editora Abril, assim como a versão em quadrinhos do segundo filme que foi lançado em 1984. Falo de “Conan, o Destruidor”.
Não gosto tanto do segundo filme, mas o Conan dos cinemas nos anos 80, até ruim é bom.
1984: Quadrinização do segundo filme do Conan. Até ruim é bom. Imagem: Editora Abril
E agora, sem desembolsar valores que ultrapassam 150 reais cobrados por antigas edições (cada uma), você pode reler esses dois grandes momentos dos quadrinhos numa só edição que foi lançada no final de 2023 pela Panini (A Espada Selvagem em Cores #2).
Se aventurar novamente (ou pela primeira vez) pelas histórias do personagem, pode te dar diferentes perspectivas, pois o Conan da literatura, dos quadrinhos e do cinema são diferentes. (E aí teríamos que discutir outros detalhes da indústria cultural, mas fica pra uma próxima vez).
Um detalhe curioso – e bem engraçado – é que a editora Bloch que já tinha apresentado Conan para o público brasileiro, e numa época que a pirataria era descaradamente (mais) escandalosa e ultrapassava todos os limites de direitos autorais, produziu algumas capas da sua linha de terror – Capitão Mistério apresenta – reutilizando e maquiando totalmente, algumas capas originais das revistas de Conan.
Picaretagem nacional: Qualquer semelhança não será mera coincidência. Imagens: Rede
A nova edição da Panini possui a arte de John Buscema – mesma história dos filmes, mas o herói com aparência diferente de Arnold – além de uma porrada de bom material extra (textos e entrevistas).
De todo modo, o fascínio pelo personagem bárbaro que marcou minha história com o cinema e a antiga e nova experiência em quadrinhos se mistura com a saudade de um grande e estimado amigo.
E até hoje rio de sua piada desajeitada e atrapalhada ao final da sessão… Afinal, estávamos estupefados.
“Por Crom”… Valeu Jean! (HD)