Nos primeiros minutos de A Substância/2024 (The Substance), fiquei meio encucado, porque achava estar diante de uma coisa ou outra: um vídeo clipe elaboradíssimo, fruto de algum publicitário(a) modernoso(a) ou a cineasta queria se comunicar desesperadamente com a geração Tik Tok.
O uso da edição de som e dos super closes, de alguma forma, me incomodava também. Me vi diante da tentativa aparentemente forçada de criar antipatia com o personagem do ator Dennis Quaid que representa no filme um desprezível diretor de TV.
A essa altura eu já pensava: Vim aqui pra isso mesmo?
Mas ao final dessa escalada (brutal e explícita) da protagonista da história em busca da beleza e juventude, consegui compreender as razões dessa “manipulação” narrativa, mas principalmente visual.
Empresários da manipulação: Um diretor de TV (Dennis Quaid) que só busca por beleza e juventude. Imagem: Divulgação
No filme temos a personagem Elisabeth Sparkle vivida por Demi Moore, uma estrela de cinema em direção à decadência com sua beleza, juventude e envelhecimento. Diante de um inevitável fracasso, se submete a um misterioso tratamento que promete criar uma nova versão de si, jovem e bela.
Essa “nova versão” – parida de uma forma bastante bizarra – começa a ganhar todo espaço artístico e midiático desejado, porém para isso deve seguir algumas regras bastante restritas. A jovem versão chama-se Sue (Margaret Qualley).
Como se espera diante de uma batalha de egos narcisísticos, os conflitos crescem exponencialmente e aceleram com rapidez, ocasionando consequências trágicas.
Bonitinha e ordinária: Huuumm… Que beleza (Margaret Qualley) de versão, hã? Imagem: Divulgação
Daí em diante vamos ter um tour de force que perambula entre egos, autoimagem, ambições, desejos, vaidade e envelhecimento.
A Substância é um filme marcante, forte, brutal e completamente violador de sentimentos e sensações . A diretora francesa Coralie Fargeat soube utilizar alegorias e representações de alguns arquétipos femininos que historicamente, provocam violências na existência feminina, como a mulher-cozinheira e a mulher-bruxa.
Entretenimento, sociedade de consumo, o “espetáculo do eu” são fortemente massacrados como o corpo da decadente atriz que sucumbe à tirania das exigências da nossa sociedade extremamente vigiada pelas redes sociais.
Elisabeth Sparkle (Demi Moore) e sua furiosa briga com o espelho. Imagem: Divulgação
Esse novo filme pode ser caracterizado como um “Body Horror” (terror corporal), mas em suas cenas fortíssimas de exploração do corpo, nada é gratuito e demonstra total conexão com a narrativa.
No encerramento dessa viagem cruel, insana e amarga, as imagens finais nos arrastam para uma espécie de “pintura do mal”, numa visão que lembra a concepção do final dos tempos pelo artista brabantino Hieronymus Bosch.
A diretora francesa também usa atributos de diretores como David Cronenberg, David Lynch e John Carpenter para conceber sua visão tirânica e infernal da beleza.
Juízo Final: Fim do filme, fim da carreira, fim da vida e fim do mundo. Imagem: Hieronymus Bosch
Suspeito que a escolha do sobrenome “Sparkle” usado pela protagonista não foi mera coincidência, pois sendo uma atriz (portanto, uma estrela), a personagem é uma “Sparkle” – na tradução, uma faísca ou centelha – da estrela que foi um dia.
Demi Moore, provavelmente, pratica em A Substância a melhor performance de sua carreira. Entre tantos detalhes que marcam o filme, temos outro ponto de inflexão, já que ela performou um dos piores filmes da história do cinema: Striptease (1996).
Por coincidência, outro filme que explora a beleza como esse seu mais recente.
“Striptease” recebeu um dos principais prêmios destinado aos piores filmes da indústria cinematográfica mundial, Moore foi ridiculariza e objetificada em Hollywood e logo após, atravessou um período de várias intervenções estéticas, digamos que calamitosas.
Em A Substância ela pode estar fazendo exatamente esse papel. Ironia suprema.
Regra inviolável da substância: “Não esqueça, somos só um”. Imagem: Divulgação
São muitas as propostas de discussões. Todos nós somos algo tipo “Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, somos confrontados pela imagem e espelho, e muitas vezes, a vaidade não nos diz a hora de parar quando o assunto são nossas especialidades e competências.
No filme, o cliente/paciente que compra ou encontra a “solução” ou “a substância”, busca por sua resposta em um local desconhecido e perigoso, igualmente parecido com os mergulhos cegos que fazemos (eu não, me tire dessa!) ao acreditar no influenciador ou “coach” da vez.
O terror mais uma vez se mostra uma beleza…
E a beleza?…
Na sociedade do espetáculo, a beleza é um terror. (HD)